Monção, 25 de abril de 2019
Olá, Ana
Joana
Estou
a ler o teu diário. Publicaram-no o tive acesso a ele. Não resisti e resolvi
escrever-te esta carta.
Antes
de mais, o teu nome é peculiar e pouco provável. Os teus pais devem gostar
muito de “Ana” para te darem o nome de Ana Joana.
É
engraçado (ou não terá graça alguma), o meu nome também é pouco provável… uma
mistura ….Fernanda Helena. Conheces alguém com este nome? Eu não. E já convivi
com milhares de pessoas, neste caso, alunos. Gostos não se discutem! Que dirão
os nossos filhos dos nomes que escolhemos para eles?!
Mas,
mudando de assunto, pois não foi o teu nome que me motivou a escrever-te. Foi,
sim, a tua vida intensa! Como diria alguém … numa expressão popular adulterada:
“Não tens tempo para mandar cantar
um cego”.
“As
pessoas comuns pensam apenas como passar o tempo. Uma pessoa inteligente tenta
usar o tempo.” (Schopenhauer, Arthur)
Tu
encaixas na perfeição na máxima de Nelson Mandela: “Devemos usar o tempo
sensatamente e entender que o momento é sempre adequado para se fazer o bem.”
Enquanto
leio o que escreves e descreves acerca dos teus dias, não pude deixar de
compará-los com os meus quando tinha a tua idade. Uma diferença abismal!
Vives
ocupadíssima com o Clube de Leitura “Leitores sem Medo” (gostei deste nome.
Quem sabe não o utilizarei na minha profissão?) que te obriga – por prazer – a
leres e fazeres a respetiva apresentação do livro lido, aos restantes membros
do clube.
No
meu tempo, a biblioteca da minha escola era minúscula desatualizadíssima, com
uns quantos livros guardados nuns armários fechados à chave. Quem quisesse
requisitar um livro teria que pedir a uma funcionária para abrir os armários e
então, sim, lá levávamos o livro para ler em casa. Mudou muito e para melhor.
Viva o livre acesso e a importância dada às bibliotecas, sejam elas escolares
ou municipais.
Continuando,
vais fazer leituras à D. Rute, senhora com idade avançada e com dificuldades
visuais (louvo o teu caráter solidário!); organizas sessões de esclarecimento
sobre o uso indevido de drogas e outras dependências, num trabalho articulado
entre a Associação de Estudantes, da qual fazes parte, e o Centro de saúde;
frequentas a catequese; participas em campanhas de solidariedade, como aquela
onde recolheram 1100 livros para doar a Moçambique; tens tempo para a tua
melhor amiga, Matilde, que nem sempre se comporta como tal. Todos nós sofremos
deceções com aqueles que pensávamos serem os nossos melhores amigos. Eu também
as tive. Bem, creio que toda a gente tem uma ou outra deceção deste género.
Portanto, sempre serve de algum consolo não ser única neste sofrimento. Não que
saiba bem que os outros sofram também, mas sim, pelo facto de nos sentirmos
mais iguais aos outros.
Mas,
ainda não acabei com a enumeração da ocupação do teu tempo. Faltam as aulas de
piano, que não amas, mas que consideras de alguma forma importante para o teu
desenvolvimento global (neste caso é o que te diz a tua mãe e tu entendes que
ela tem razão!). Ah! E mais o artigo para o jornal : “Sabias que … em pleno
séc. XXI, a discriminação continua a afetar as mulheres?”. Parabéns pelo
caráter oportuno da temática escolhida. Continua a ser escandalosa esta
discriminação. E ela acontece em todo o lado. Já houve alguma evolução, mas
ainda há um longo caminho a percorrer. Seremos, sem dúvida, melhores do que
eles, pois teremos a clarividência de inclui-los, coisa que eles têm muita
dificuldade em fazer connosco. Contemos com o apoio de homens inteligentes.
Não
esqueci as audições para o Big Band Tune e a paciência para aturares a
“pestinha”, como tu lhe chamas, mas que tenho a firme certeza que adoras, pois
é a tua irmã mais nova. E o amor que pensas que tens pelo rapaz com os cabelos
com cheiro a maçã, o João. O tempo o dirá! O desamor que tens pelo Carlos, que
te ama de paixão. Difícil, mas também comum a todos os jovens. Gostamos de uns
… amam-nos outros… até que aparece alguém que nos corresponde. Muitas horas de
sofrimento. Mas, não são à toa. Elas fazem falta para perceberes o que é sofrer
por amor e dar-lhe o devido valor.
E as
saudades do pai que foi para Luanda? Difícil, sim. Para a tua mãe talvez seja
pior. Com 3 filhas, uma família para tomar conta, uma escola para gerir. Tudo
só!
Imagino
no meu tempo como seria: não tínhamos computadores, muito menos Skipe. O
telefone era caríssimo! Telefonar para Angola? … nem sei! Tínhamos as cartas.
Ainda me lembro que tínhamos que comprar um envelope especial para avião, que
tinha umas risquinhas à volta. Era assim! Convenhamos que hoje a coisa
melhorou. Já sei que o Skipe ainda não dá para abraçar ninguém, mas dá para ver
os olhos do outro, ver o seu sorriso e alegria ou saudades. Coisas estas que
nós teríamos que ter uma habilidade especial para explicar por palavras. Também
tinham o seu encanto! E, quando essas cartas nos agradavam liamos e relíamos, à
procura de algum outro significado para aquilo que estava escrito ou que nós
supúnhamos que seria a intenção de quem o escreveu. E, quando importantes,
essas cartas eram guardadas religiosamente.
Já me
ia esquecendo da tua participação no musical “A Branca de Neve e os sete
anões”, com o papel de bruxa! Ah! Ah! Alguém tem que fazer esse papel. Não
interessa o papel, mas sim a forma como o desempenhas.
Também
andei na catequese e frequentei o coro da igreja. De resto, nada. Instituto de
Inglês? Nem se falava. A 1.ª língua disponível na escola era o francês. O
Inglês era a 2:º língua e só no 7.º ano. Agora melhorou. Efetivamente, a língua
universal é o Inglês. Aulas de natação? Piscina só havia nas grandes cidades.
Hoje, nada disso. Viras a esquina e encontras uma piscina municipal.
Encontrei
uma outra semelhança com os teus dias, ou melhor com os dias da tua colega de
turma de origem chinesa, Jiang-Li, que tem que ajudar os pais e, como tal, tem
que trabalhar na loja. Eu também. Bom, posso dizer, nós (os do meu tempo)
também. Naquele tempo, os pais exerciam uma autoridade sobre nós muito mais
vincada e as horas para diversão, para sair com os amigos eram muito
controladas.
Como
te pudeste aperceber, no meu tempo não utilizávamos o tempo de forma tão
intensiva. Era assim, para quase todos, creio. Fazendo um juízo de valor, penso
que poderíamos ter feito mais, mas também acho que apreciar o tempo de nada
fazer também faz falta, para arrumar, consolidar, repousar, refletir,
descansar, não achas?
Depois
de tanto leres, imagino que te perguntarás quem sou eu, que idade terei, qual a
minha profissão, de onde sou… já fui dando algumas dicas, mas agora vou
esclarecer-te. Poderia ser tua mãe, mas nesse caso teria sido mãe tardiamente.
Não tenho idade para poder ser tua avó, embora o tempo e as circunstâncias em
que vivi, assim te possa parecer. Sou de e vivo em Monção, no Norte e Portugal,
uma vila raiana muito bonita. Sou professora de Matemática e Ciências Naturais,
em Monção, pelo que os meus alunos têm entre 10 e 12 anos de idade. Gosto muito
de ser professora, pois gosto muito de conviver com estes jovens. Penso que é a
idade mais bonita para se ter alunos. São recetivos, carinhosos, ingénuos,
manifestam esperança e vontade de fazer coisas. Claro que isto é de uma forma
geral, pois existem sempre uns mais do que outros, quer nos predicados, quer
nas imperfeições. É a vida!
Vou
aconselhar os meus alunos a lerem o teu diário. Com certeza que irão encontrar
muitas semelhanças com a vida deles. E isso vai acalmar os sentimentos deles,
porque também eles se irão sentir mais iguais a ti e aos outros.
Termino
com um abraço, neste caso virtual, pois vou publicar esta carta no Blogue da
nossa Biblioteca Escolar “Os Meus Livros” e desejar-te as maiores felicidades
na vida. Que te corra bem! E olha que bem só o podemos dizer, às vezes, passado
muito tempo.
P.S.: Quanto ao smartphone, não
desesperes. Já faltou mais. Não tarda, terás um.
Os
cogumelos … vais acordar, um dia destes, sem eles. Mais depressa do que o que
pensas!
Gosto
do teu sentido critico e de justiça.
Quanto
ao teu lema, acredita nele.
Helena
Magalhães
Sem comentários:
Enviar um comentário