quarta-feira, 1 de maio de 2019


Monção, 25 de abril de 2019


Olá, Ana Joana


Estou a ler o teu diário. Publicaram-no o tive acesso a ele. Não resisti e resolvi escrever-te esta carta.
Antes de mais, o teu nome é peculiar e pouco provável. Os teus pais devem gostar muito de “Ana” para te darem o nome de Ana Joana.
É engraçado (ou não terá graça alguma), o meu nome também é pouco provável… uma mistura ….Fernanda Helena. Conheces alguém com este nome? Eu não. E já convivi com milhares de pessoas, neste caso, alunos. Gostos não se discutem! Que dirão os nossos filhos dos nomes que escolhemos para eles?!
Mas, mudando de assunto, pois não foi o teu nome que me motivou a escrever-te. Foi, sim, a tua vida intensa! Como diria alguém … numa expressão popular adulterada: “Não tens tempo para mandar cantar um cego”.
“As pessoas comuns pensam apenas como passar o tempo. Uma pessoa inteligente tenta usar o tempo.” (Schopenhauer, Arthur)
Tu encaixas na perfeição na máxima de Nelson Mandela: “Devemos usar o tempo sensatamente e entender que o momento é sempre adequado para se fazer o bem.”
Enquanto leio o que escreves e descreves acerca dos teus dias, não pude deixar de compará-los com os meus quando tinha a tua idade. Uma diferença abismal!
Vives ocupadíssima com o Clube de Leitura “Leitores sem Medo” (gostei deste nome. Quem sabe não o utilizarei na minha profissão?) que te obriga – por prazer – a leres e fazeres a respetiva apresentação do livro lido, aos restantes membros do clube.
No meu tempo, a biblioteca da minha escola era minúscula desatualizadíssima, com uns quantos livros guardados nuns armários fechados à chave. Quem quisesse requisitar um livro teria que pedir a uma funcionária para abrir os armários e então, sim, lá levávamos o livro para ler em casa. Mudou muito e para melhor. Viva o livre acesso e a importância dada às bibliotecas, sejam elas escolares ou municipais.
Continuando, vais fazer leituras à D. Rute, senhora com idade avançada e com dificuldades visuais (louvo o teu caráter solidário!); organizas sessões de esclarecimento sobre o uso indevido de drogas e outras dependências, num trabalho articulado entre a Associação de Estudantes, da qual fazes parte, e o Centro de saúde; frequentas a catequese; participas em campanhas de solidariedade, como aquela onde recolheram 1100 livros para doar a Moçambique; tens tempo para a tua melhor amiga, Matilde, que nem sempre se comporta como tal. Todos nós sofremos deceções com aqueles que pensávamos serem os nossos melhores amigos. Eu também as tive. Bem, creio que toda a gente tem uma ou outra deceção deste género. Portanto, sempre serve de algum consolo não ser única neste sofrimento. Não que saiba bem que os outros sofram também, mas sim, pelo facto de nos sentirmos mais iguais aos outros.
Mas, ainda não acabei com a enumeração da ocupação do teu tempo. Faltam as aulas de piano, que não amas, mas que consideras de alguma forma importante para o teu desenvolvimento global (neste caso é o que te diz a tua mãe e tu entendes que ela tem razão!). Ah! E mais o artigo para o jornal : “Sabias que … em pleno séc. XXI, a discriminação continua a afetar as mulheres?”. Parabéns pelo caráter oportuno da temática escolhida. Continua a ser escandalosa esta discriminação. E ela acontece em todo o lado. Já houve alguma evolução, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Seremos, sem dúvida, melhores do que eles, pois teremos a clarividência de inclui-los, coisa que eles têm muita dificuldade em fazer connosco. Contemos com o apoio de homens inteligentes.
Não esqueci as audições para o Big Band Tune e a paciência para aturares a “pestinha”, como tu lhe chamas, mas que tenho a firme certeza que adoras, pois é a tua irmã mais nova. E o amor que pensas que tens pelo rapaz com os cabelos com cheiro a maçã, o João. O tempo o dirá! O desamor que tens pelo Carlos, que te ama de paixão. Difícil, mas também comum a todos os jovens. Gostamos de uns … amam-nos outros… até que aparece alguém que nos corresponde. Muitas horas de sofrimento. Mas, não são à toa. Elas fazem falta para perceberes o que é sofrer por amor e dar-lhe o devido valor.
E as saudades do pai que foi para Luanda? Difícil, sim. Para a tua mãe talvez seja pior. Com 3 filhas, uma família para tomar conta, uma escola para gerir. Tudo só!
Imagino no meu tempo como seria: não tínhamos computadores, muito menos Skipe. O telefone era caríssimo! Telefonar para Angola? … nem sei! Tínhamos as cartas. Ainda me lembro que tínhamos que comprar um envelope especial para avião, que tinha umas risquinhas à volta. Era assim! Convenhamos que hoje a coisa melhorou. Já sei que o Skipe ainda não dá para abraçar ninguém, mas dá para ver os olhos do outro, ver o seu sorriso e alegria ou saudades. Coisas estas que nós teríamos que ter uma habilidade especial para explicar por palavras. Também tinham o seu encanto! E, quando essas cartas nos agradavam liamos e relíamos, à procura de algum outro significado para aquilo que estava escrito ou que nós supúnhamos que seria a intenção de quem o escreveu. E, quando importantes, essas cartas eram guardadas religiosamente.
Já me ia esquecendo da tua participação no musical “A Branca de Neve e os sete anões”, com o papel de bruxa! Ah! Ah! Alguém tem que fazer esse papel. Não interessa o papel, mas sim a forma como o desempenhas.
Também andei na catequese e frequentei o coro da igreja. De resto, nada. Instituto de Inglês? Nem se falava. A 1.ª língua disponível na escola era o francês. O Inglês era a 2:º língua e só no 7.º ano. Agora melhorou. Efetivamente, a língua universal é o Inglês. Aulas de natação? Piscina só havia nas grandes cidades. Hoje, nada disso. Viras a esquina e encontras uma piscina municipal.
Encontrei uma outra semelhança com os teus dias, ou melhor com os dias da tua colega de turma de origem chinesa, Jiang-Li, que tem que ajudar os pais e, como tal, tem que trabalhar na loja. Eu também. Bom, posso dizer, nós (os do meu tempo) também. Naquele tempo, os pais exerciam uma autoridade sobre nós muito mais vincada e as horas para diversão, para sair com os amigos eram muito controladas.
Como te pudeste aperceber, no meu tempo não utilizávamos o tempo de forma tão intensiva. Era assim, para quase todos, creio. Fazendo um juízo de valor, penso que poderíamos ter feito mais, mas também acho que apreciar o tempo de nada fazer também faz falta, para arrumar, consolidar, repousar, refletir, descansar, não achas?
Depois de tanto leres, imagino que te perguntarás quem sou eu, que idade terei, qual a minha profissão, de onde sou… já fui dando algumas dicas, mas agora vou esclarecer-te. Poderia ser tua mãe, mas nesse caso teria sido mãe tardiamente. Não tenho idade para poder ser tua avó, embora o tempo e as circunstâncias em que vivi, assim te possa parecer. Sou de e vivo em Monção, no Norte e Portugal, uma vila raiana muito bonita. Sou professora de Matemática e Ciências Naturais, em Monção, pelo que os meus alunos têm entre 10 e 12 anos de idade. Gosto muito de ser professora, pois gosto muito de conviver com estes jovens. Penso que é a idade mais bonita para se ter alunos. São recetivos, carinhosos, ingénuos, manifestam esperança e vontade de fazer coisas. Claro que isto é de uma forma geral, pois existem sempre uns mais do que outros, quer nos predicados, quer nas imperfeições. É a vida!
Vou aconselhar os meus alunos a lerem o teu diário. Com certeza que irão encontrar muitas semelhanças com a vida deles. E isso vai acalmar os sentimentos deles, porque também eles se irão sentir mais iguais a ti e aos outros.
Termino com um abraço, neste caso virtual, pois vou publicar esta carta no Blogue da nossa Biblioteca Escolar “Os Meus Livros” e desejar-te as maiores felicidades na vida. Que te corra bem! E olha que bem só o podemos dizer, às vezes, passado muito tempo.

P.S.: Quanto ao smartphone, não desesperes. Já faltou mais. Não tarda, terás um.
Os cogumelos … vais acordar, um dia destes, sem eles. Mais depressa do que o que pensas!
Gosto do teu sentido critico e de justiça.
Quanto ao teu lema, acredita nele.

 Helena Magalhães

Sem comentários:

Enviar um comentário